Retirado do livro “Grandes Contemporâneos”, 1937.
Traduzido da versão em espanhol
Por Clóvis Henrique
Os três generais mais famosos que conheci em minha vida não se destacaram por ganharem batalhas contra inimigos estrangeiros. No entanto, seus nomes, todos os quais iniciados por “B”, se converteram para nós em expressões familiares. São os generais Bootli, Botha e Baden-Powell. Ao general Booth nós devemos o Exército da Salvação, ao General Botha, a União Sul-Africana e ao General Baden-Powell, o Movimento Escoteiro.
Dadas as incertezas deste mundo, de nada podemos estar certos, no entanto parece provável que daqui há uns duzentos anos ou mais, as obras destes três grandes homens estarão propagando a fama de seus criadores. Não com um testemunho frio de bronze ou pedra, mas sim como instituições que guiam e formam vidas e pensamentos dos homens.
Recordo-me perfeitamente da primeira vez que vi o herói deste artigo, hoje Lord Baden Powell. Eu tinha ido com minha equipe para participar da copa de cavalaria em Meerut. Nesta localidade estavam situados os círculos sociais e desportivos do exército inglês na Índia. Durante a noite diante de numerosa platéia eram feitas pequenas apresentações teatrais e a atração principal se constituía em um animado número de música e dança levado a cabo por um oficial da tropa, vestido com uniforme brilhante, e por uma bela senhora. Ocupando, entre os outros jovens oficiais, uma cadeira na platéia, me causou surpresa a excelente apresentação que poderia competir com vantagem com qualquer dos teatros de variedades da época. Disseram-me: “Este é B-P, um homem extraordinário! Ganhou a copa Kadir, tem muitos anos de serviço em nossa corporação. Falam muito e não acabam os seus méritos como militar, no entanto não deixa de ser surpreendente ver um oficial antigo dançar com tanto entusiasmo diante de seus subalternos!” Tive a sorte de conhecer essa celebridade de várias facetas antes que fossem encerradas as competições.
Naqueles dias, a fama de B-P como soldado era tamanha que virou um herói popular da guerra. Afinal, vendo as outras bem organizadas tropas inglesas lutando com os boers, o povo não podia deixar de reconhecer e aplaudir a grande e obstinada defesa de Mafeking feita de maneira incansável por um grupo de homens dez ou doze vezes menos numeroso que o dos inimigos.
Ninguém acreditava que Mafeking resistiria a metade do tempo que assim o fez. Na época, a incerteza e o desalento reinavam diante do temor da derrota. Milhões de pessoas que não podiam acompanhar os detalhes dos acontecimentos da guerra buscavam atentamente detalhes na imprensa sobre as desventuras dos sitiados de Mafeking. E quando correram nos jornais as notícias de sua liberação, multidões deixaram as ruas de Londres intransitáveis durante as comemorações.
Os festejos do mais puro patriotismo tomaram conta das pessoas com tal alegria que só foi igualada com a declaração do armistício, em novembro de 1918. Mas a noite de Makeking tem sua marca. Na ocasião as pessoas não se comoviam pelos danos da guerra, experimentavam emoções comparadas ao frenesi dos torcedores em grandes espetáculos esportivos. Em 1918 os sentimentos de alívio e congratulação se sobrepunham a alegria. Todos levavam em seus corações as marcas dos sofrimentos passados.
Causou-me certo espanto em ver como B-P foi desaparecendo na hierarquia militar uma vez que a guerra havia terminado. Ocupou alguns cargos honrosos ainda que de importância secundária, no entanto todos os altos postos foram entregues a homens cujas façanhas não transcendiam aos círculos militares e cujos nomes jamais haviam recebido a recompensa do aplauso popular. Sem dúvida, Whitehal não se sentia bem ao ver os aplausos desproporcionais que as massas haviam acumulado sobre uma única figura. Não havia algo de “teatral”, de “não profissional” em uma pessoa que suscita o entusiasmo ingênuo do homem da rua?
A versatilidade provoca sempre certa desconfiança nas esferas militares. As vozes da inveja falavam de B-P. De todo jeito, a brilhante fusão da sorte e do êxito foi de plano encoberta por uma nuvem fria, através da qual o sol brilhava, mas com um raio tímido e não ofuscante. Os caprichos da sorte são incalculáveis, incontáveis são seus métodos. Às vezes quanto mais indiferente se apresenta a situação é quando está preparando seus mais surpreendentes dons. Que sorte foi para B-P não estar no meio dos assuntos militares no início do século! (…) Foi uma sorte para ele e para todos nós!
A isso se deve sua fama perenemente renovada, sua oportunidade de prestar serviços pessoais do mais duradouro caráter, e a ele devemos uma instituição e inspiração tipicamente britânica, essências puras de seu gênio, encaminhadas a unir em um laço de camaradagem não só a toda a juventude do mundo da língua inglesa, mas de quase todas as terras e povos abaixo do Sol.
Foi em 1907, que B-P implantou seu primeiro campo para ensinar os garotos a arte de explorar bosques e a disciplina da vida de descobertas. Vinte e um garotos de todas as classes, desde o extremo de Londres até Eton Harrow. Montaram suas pequenas barracas na ilha de Brownsea em Dorsetshire. Desde modesto início surgiu o movimento mundial do escotismo, constantemente renovado no transcurso dos anos, até alcançar hoje uma força que excede em muito os milhões de associados.
Em 1908, o explorador chefe, como ele se chamada, publicou seu livro “Escotismo para Rapazes”. Suscita em todos o espírito da aventura e o amor pela vida ao ar livre que é tão forte na infância. Mas, sobretudo desperta os sentimentos de cavalheirismo e essa correção e empenho nos jogos, seja o sério ou o inútil, que constituem a parte mais importante do sistema educacional britânico. O sucesso foi imediato e transcendental. O uniforme simples, calça e camisa cáqui, que estava ao alcance de todos, foi inspirado na antiga tropa do exército de Baden-Powell. O chapéu foi o famoso, com as abas retas, que havia sido usado em Makefing. O lema “Sempre Alerta” (Be Prepared) estava formado por suas iniciais. Quase imediatamente vemos nos dia de festa, pelos caminhos da Grã Bretanha, pequenas tropas e patrulhas de exploradores, grandes e pequenos, bastão na mão, avançando animados até os bosques e terrenos demarcados que por sua exemplar conduta eram rapidamente franqueados. Imediatamente brilharam os fogos de viva de um grande exército, cujas filas nunca estarão desertas e cuja marcha não acabará enquanto fluir o sangue pelas veias da mocidade.
É difícil entender a saúde mental e moral que esta simples e profunda concepção trouxe a nossa pátria. Naqueles dias passados, o lema “Sempre Alerta” teve um significado especial para o país. Os que avistavam a proximidade de uma grande guerra acolheram com simpatia o despertar da adolescência inglesa. E ninguém, nem sequer os mais pacifistas puderam sentir-se ameaçados, porque o movimento não tinha caráter militar, e até os mais ásperos críticos viram como um meio de dissipar a vadiagem juvenil.
Muitas instituições veneráveis e muitos regimes famosos foram honrados por homens que pereceram na tormenta, mas o movimento escoteiro sobreviveu. Sobreviveu não só a grande guerra, mas às dificuldades do pós-guerra. Enquanto tantos elementos da vida e do espírito das nações pareciam perdidos, aquele movimento florescia e crescia incessantemente. Seu lema adquire novo significado nacional à medida que os anos passam sobre nossa ilha. Leva a todos os corações sua mensagem de honra e dever: “Sempre Alerta” para se levantar e defender o direito e a verdade, seja de que forma os ventos soprem.
Belíssimo artigo!!